sexta-feira, 9 de maio de 2014

A natureza imaterial do homem

Em todas as civilizações e culturas, desde as épocas mais remotas, o homem busca compreender sua essência íntima, ponto de ligação com a Divindade e fator de entendimento para o mistério da vida e da morte. Denominada, simplificadamente, como Alma ou Espírito, representa a esperança na continuidade do ser e de sua vida de relações afetivas após a morte física, assumindo posição de destaque nas diversas filosofias e religiões.

Nos antigos povos da Ásia e do Egito surgem concepções bastante complexas e semelhantes sobre a natureza imaterial humana, frutos de uma mesma "raiz iniciática" de conhecimento.

Na China antiga, ensinava-se que o corpo humano apresentava um complexo sistema de canais ou meridianos de energia, no qual circula a Força Vital ou Chi, responsável pela manutenção da vida e da saúde. A Medicina Tradicional Chinesa utiliza este sistema para tratar as enfermidades e os desequilíbrios orgânicos. Além desta força vital, acreditava-se na existência de uma energia ancestral (Tinh) associada à energia mental ou psíquica (Than), correspondendo ao conjunto dos sentimentos e pensamentos humanos. Como outras instâncias da individualidade humana, citam ainda a Alma Inferior, a Alma Superior e o Espírito Divino.

Na Índia dos brâmanes e budistas, entende-se que o corpo físico (Sthula Sharira) é envolto por um veículo composto pelo "éter", denominado Linga Sharira. Estas entidades, corpo físico e corpo etérico, são energizadas pela força vital ouPrana, uma corrente do oceano de vitalidade (Jiva) ou fluido cósmico universal. Como princípios intermediários, temos o corpo das paixões, das emoções e dos sentimentos (Kama-Rupa), a mente ou alma humana (Manas), que se divide emManas Inferior (Intelecto) e Manas Superior (Consciência). Num nível acima teríamos a alma espiritual ou Buddhi, que é a manifestação da Sabedoria Celestial, intuindo o homem ao auto-aperfeiçoamento moral e espiritual. Como entidade máxima teríamos o Atma (Espírito), fonte primordial de onde emanam todas as demais manifestações.

No Egito dos faraós, a constituição humana era compreendida, além do corpo material (Kha; Chat), pela aura ou invólucro etéreo (Ba; Anch), pelo veículo das paixões e emoções ou corpo astral (Khaba; Ka), pela alma animal (Seb; Ab-Hati), pela alma intelectual ou inteligência (Akhu; Bai), pela Alma Espiritual (Putah; Cheybi) e pelo Espírito ou Alma Divina (Atmu; Shu).

Na Grécia antiga, Platão, elaborando as concepções de Sócrates, transfunde a idéia de que o homem era composto pela "dualidade corpo e alma" (Eu superior), intercalados pelos prazeres e pelas emoções (thumos ou coração). Aristóteles, seu grande seguidor, alterou a concepção do mestre, definindo a alma como o princípio vital e racional, material e espiritual, que habita o homem, misturando conceitos distintos (Aether, Quintessência, Alma), por não acreditar numa vida transpessoal após a morte física [Apoiado nos conceitos aristotélicos, São Tomás de Aquino (Idade Média) estrutura os fundamentos escolásticos da Igreja Católica, contrapondo-se às concepções reencarnacionistas das escolas orientais]. Hipócrates, o "pai da Medicina", define a força vital (vis medicatrix naturae) como uma força instintiva e irracional, que se esforça para manter o equilíbrio das funções orgânicas, sem qualquer relação com o conceito aristotélico. Em linhas gerais, a filosofia grega reconhece no homem o corpo material (soma), a força vital (vis medicatrix naturae), a alma animal ou veículo das paixões e emoções (psyche) e a alma humana, mente ou intelecto (nous).

De Hipócrates até o século XIX, a Medicina foi influenciada pelo pensamento vitalista, que aceitava a existência de um princípio energético, vital, ligado substancialmente à materialidade orgânica, responsável pela manutenção da saúde do corpo físico. Personalidades como Erasistrato, Rhazes, Paracelso, Sydenham, van Helmont, Stahl, von Haller, Claude Bernard dentre outras, defendiam o princípio vitalista, mas sem utilizarem um método terapêutico para equilibrarem a força vital orgânica em desequilíbrio. No final do século XVIII, Samuel Hahnemann cria a Homeopatia, inaugurando uma etapa da terapêutica humana em que a unidade entre a doença e o doente é valorizada, atuando com seus medicamentos dinamizados nas distonias da força vital, transmitindo ao restante da individualidade humana (Mente e Espírito) um bem-estar indizível.

Da língua latina provém a origem de inúmeras dificuldades interpretativas dos termos que definem as entidades imateriais do homem, por colocarem diante de um único elemento material até seis elementos invisíveis: animus, anima, mens, spiritus, intellectus e ratio. Ao invés das complexas diferenças conceituais que abrigavam termos semelhantes, os idiomas franco-saxões mantiveram o simplismo teológico dos dois princípios imanentes: corpo e alma. Desta forma, disseminou-se a idéia geral de que o homem possui um corpo e uma Alma ou Espírito, sem levar em consideração as demais entidades imateriais da individualidade humana.

O animus corresponderia a um princípio localizado no coração, responsável pela coragem, o valor, o arrojo e a impetuosidade humana frente aos grandes empreendimentos. O termo anima aplica-se à força vital, fluido universal ouLinga Sharira, intimamente ligada ao corpo físico, com a propriedade de transmitir vida à matéria inerte. Grande parte das confusões referidas anteriormente surgem da tradução destes termos (animus e anima) pela palavra "alma", que engloba a totalidade das faculdades intelectuais. Assim sendo, a palavra mens é que corresponde à alma humana da teologia católica, com o significado de mente humana ou Manas da concepção hindu, sem estar unida ao corpo sistematicamente. Ao spiritus corresponderia o corpo astral ou Kama, ao intellectus o entendimento superior ou Buddhi e à ratio a entidade espiritual de caráter divino ou Atma.

Na concepção cristã do Novo Testamento, encontramos conceitos como Alma e Espírito, utilizados indistintamente como sinônimos, representando a entidade espiritual e divina que habita o corpo humano. Em inúmeras passagens, a palavra "espírito" é utilizada com o significado de entidades obsessoras que perturbam os homens, causando-lhes doenças e outros tipos de perturbações psíquicas. São Paulo, na Primeira Epístola aos Coríntios (I Co. XV, 35-49), delega uma natureza corporal ao espírito, como as concepções orientais citadas anteriormente ("também há corpos celestiais e corpos terrestres"; "se há corpo natural, há também corpo espiritual"). Na Segunda Epístola aos Tessalonicenses (II Ts. V, 23), utiliza a divisão tríplice humana (corpo, alma e espírito): "e o vosso espírito, alma e corpo, sejam conservados íntegros e irrepreensíveis"; relaciona a alma às faculdades sensitivas e o espírito à mente ou razão, de acordo às concepções esotéricas orientais de corpo astral e corpo mental, respectivamente (Hebreus IV, 12). Apesar da concepção tríplice do homem (corpo, alma e espírito) ter sido admitida e ensinada pelos precursores da Igreja Católica (Irineu, Justino Mártir, Clemente, Orígines, Gregório e Santo Agostinho), não é ensinada atualmente pela mesma.

Segundo a Cabala hebraica, que corresponde ao conhecimento esotérico do povo judeu, o homem apresenta um Guph(corpo físico), unido substancialmente ao Nepesh (alma vivente), servindo de morada terrena às demais estruturas sutis em processo de evolução. Como entidades intermediárias temos a alma animal ou Tzelem (ou Nephesh) e o Ruach(alma intelectual). Constituindo uma tríade superior, temos o Neshamah (Alma Humana), o Chiah (Alma Espiritual) e oYechidah (Espírito Divino). Estes princípios eram associados às Dez Sephiroth ou potencialidades humanas (Árvore da Vida).

Como fruto deste "conhecimento iniciático oriental", trazido por Christian Rosenkreuz e Helena P. Blavatsky, surgem, no Ocidente, a Rosa-Cruz e a Teosofia, apresentando um estudo pormenorizado da natureza imaterial humana. Dentro das concepções rosa-cruz e teosófica, teríamos, respectivamente, o corpo vital e o duplo etérico (Linga Sharira); o corpo de desejos e o corpo astral (Kama-Rupa); a mente e o corpo mental (Manas inferior); o Espírito Humano e o Corpo Causal (Manas Superior); o Espírito de Vida e o Corpo de Beatitude (Buddhi); e, finalmente, o Espírito Divino e o Espírito(Atma).

Associando sua percepção aos conhecimentos rosa-cruzes e teosóficos, Rudolf Steiner cria a Antroposofia, trazendo contribuições às várias áreas do conhecimento humano. Divide a natureza sutil humana em corpo etéreo ou vital, corpo anímico-sensitivo ou corpo astral, alma do intelecto ou organização do Eu, Alma da Consciência, Personalidade Espirituale Homem-Espírito, em analogia às demais definições citadas.

Finalizando, citemos a concepção imaterial do homem segundo a Doutrina Espírita, que é bastante divulgada em nosso meio. Simplificando conceitos, apresenta uma visão ternária do homem constituída pelo princípio vital (união entre corpo físico e força vital), perispírito e Espírito. Com o termo perispírito, une o corpo astral e o corpo mental das demais concepções, em vista da dificuldade de separarmos, na prática, os sentimentos dos pensamentos humanos. Segundo suas definições, o Espírito também englobaria o Corpo Causal e Corpo de Beatitude anteriormente citados.

Nestas concepções filosóficas antigas, que parecem ter se originado de uma fonte de conhecimentos comum (raiz iniciática), os princípios imateriais humanos e suas manifestações são amplamente estudados, numa natureza séptupla de extrema complexidade. Sob este prisma, o modelo antropológico humano adquire matizes fascinantes.

No contato com os alunos da APH, observamos, freqüentemente, que ao buscarem a Homeopatia, além do interesse despertado pela observação de resultados clínicos surpreendentes, a idéia da existência de uma força vital imaterial, responsável pela manutenção da saúde e foco de atuação do tratamento homeopático, são razões suficientes para atrair muitos profissionais a estudarem esta prática terapêutica, apesar do preconceito existente entre os colegas de profissão. No meio homeopático, é grande o número de profissionais que acreditam em alguma concepção espiritualista (espíritas, rosacruzes, teosóficos, maçons, budistas, etc.).

Embora o modelo homeopático seja praticamente experimental e científico, apresentando uma terapêutica que se baseia no "princípio da similitude" e na "experimentação no homem são", o modelo filosófico vitalista amplia o entendimento da enfermidade e seu tratamento, trazendo, inclusive, subsídios para que se compreenda o emprego das "doses infinitesimais" (medicamento dinamizado) pela Homeopatia. Por outro lado, os conceitos vitalistas trazidos por Hahnemann, buscando explicar o mecanismo de ação dos medicamentos homeopáticos (despertar da reação vital ou efeito secundário), fruto da observação minuciosa do efeito das substâncias medicinais no organismo humano, encontram respaldo nos mecanismos homeostásicos do organismo, estudados pela Fisiologia e pela Farmacologia modernas através do efeito-rebote.

No intuito de ampliarmos a compreensão do vitalismo homeopático, ensinado nos Cursos de Especialização em Homeopatia, geralmente, sob o conhecimento restrito e limitado das escolas médicas fundamentadas na vis medicatrixhipocrática, acrescentamos novos conhecimentos a este estudo padrão, que, certamente, ajudarão a dirimir as dúvidas que ainda possam restar sobre o entendimento da força vital hahnemanniana. Com esta abordagem universalista, estamos sugerindo uma maior dinâmica e integração com os alunos, segundo o modelo filosófico-religioso que acreditem.

Desde o momento em que lançamos a obra Concepção Vitalista de Samuel Hahnemann, retirada de circulação em 1997, judicialmente, por transgressões da Editora aos direitos do autor, sempre tivemos a idéia de ampliá-la com conceitos de outras escolas médicas e filosóficas, que estamos apresentando, detalhadamente, neste novo trabalho.


TEIXEIRA, M. Z. A natureza imaterial do homem. Informativo APH 12(79): 10-11.

PARÁBOLA DO SEMEADOR

Evangelho segundo São Mateus
 
E falou-lhes muitas coisas por parábolas, dizendo: Eis que o semeador saiu a semear, e quando semeava, uma parte da semente caiu à beira do caminho, e vieram as aves e comeram. E outra parte caiu em lugares pedregosos, onde não havia muita terra: e logo nasceu, porque não tinha terra profunda; mas, saindo o sol, queimou-se e, por não ter raiz, secou-se. E outra caiu entre espinhos; e os espinhos cresceram e a sufocaram. Mas outra caiu em boa terra, e dava fruto, um a cem, outro a sessenta e outro a trinta por um. 

(...)
 
A todo o que ouve a palavra do reino e não a entende, vem o Maligno e arrebata o que lhe foi semeado no coração; este é o que foi semeado à beira do caminho. E o que foi semeado nos lugares pedregosos, este é o que ouve a palavra, e logo a recebe com alegria; mas não tem raiz em si mesmo, antes é de pouca duração; e sobrevindo a angústia e a perseguição por causa da palavra, logo se escandaliza. E o que foi semeado entre os espinhos, este é o que ouve a palavra; mas os cuidados deste mundo e a sedução das riquezas sufocam a palavra, e ela fica infrutífera. Mas o que foi semeado em boa terra, este é o que ouve a palavra, e a entende; e dá fruto, e um produz cem, outro sessenta, e outro trinta.